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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Humanismo de são Vicente de Paulo (02)




Créditos:Autor: André Dodin, C.M.. • Tradutor: João Gorka, C.M.. • Data da publicação original: 1979. • Origem: Editora Gráfica Vicentina — Curitiba (Brazil). •




Questões prévias
Introdução
Para começar, eu me apoio sobre a convicção e orientação de S. Vicente, que escrevia aos 8-12-1617:

“Sendo a Mãe de Deus invocada e tomada por padroeira das coisas de importância, não pode acontecer que tudo não vá bem e não redunde para a maior glória do bom Jesus, seu Filho” .

Sob este patrocínio, à luz desta verdade, pode­mos fazer-nos uma pergunta, que é incisiva:

“Será que foi Deus ou o demônio quem, a partir do Concílio Vaticano II, trabalhou mais e ganhou mais terreno?”

Deixamos aos nossos pósteros sobrinhos – netos e sobrinhas – netas o cuidado de discernir o trabalho de Deus ou do demônio, de o explicar e de remediar, se assim houver necessidade. Nós lhes legamos esta herança enigmática.

Mas é necessário, pois estamos em 1976, primei­ramente constatar o fato, em seguida, estimar as conseqüências do Vaticano íI em matéria de vida e de inspiração religiosa .


Em primeiro lugar o fato: para vós, uma cons­tatação é sempre possível; ela é até recomendada . A substância, a essência do Vaticano II, concernen­te à vida religiosa, resume-se em duas injunções, duas questões:

1.ª questão: encontrar a intenção do Fundador.
2.ª questão: reencontrar o espírito das origens.

Ora, constatamos que essas duas injunções re­ceberam respostas bem diversas e normalmente es­sas respostas deveriam se diferenciar .

Primeira questão: Qual é a intenção do Fundador.
Os Superiores Maiores, falando, poderiam dar uma resposta material, mostrando ou lembrando as obras instituídas pelo Fundador: cuidado dos doen­tes, educação das crianças abandonadas, instrução dos pobres, etc… Mas o catálogo das obras, insti­tuídas pelo Fundador, poderia deixar numa certa perplexidade . Quer se trate de Francisco de Assis, de Inácio de Loyola, quer de Francisco de Sales ou de Vicente de Paulo, a resposta, que poderia ser apresentada, variaria de acordo com o momento da existência do Fundador . Tomemos o caso de Inácio de Loyola . Está claro que ele se recusou, inicialmen­te a aceitar qualquer estabelecimento, qualquer instituição escolar. Em seguida, reconhecendo as obrigações que tinha em relação a certos benfeito­res, a entrada de certos elementos na Companhia de Jesus, fez com que aceitasse a direção das Univer­sidades e dos Colégios. É assim que certa perplexi­dade poderia existir: seria preciso tornar Inácio das origens ou Inácio da maturidade? Em se tratando de outros Fundadores, como S . Luís Maria Grignon de Monfort que coloca as mais consistentes dificul­dades para a sua comunidade de homens, encontra­mo-nos diante de uma empresa missionária, de uma parte, e, depois da morte de São Luís Maria Grignon de Monfort, diante da descoberta de uma forma muito particular da devoção marial: a Santa Escra­vidão. Se perguntarmos hoje aos Monfortianos: “qual é a fundação do vosso Fundador?” Eles po­dem responder: “ou pode ser a obra das missões, ou pode ser a propagação das múltiplas formas da de­voção marial”.

Acrescentamos ainda que, no caso de São Luís Maria Grignon de Monfort, duas Congregações mas­culinas disputam o santo canonizado. De um lado, os Missionários Monfortianos e, de outro, os Padres de São Gabriel, que se reconhecem os filhos legíti­mos de São Luís Maria Grign.on de Monfort.

Haveria matéria para compor um romance com as disputas que opuseram os Padres de São Gabriel, considerando-se os filhos legítimos e, por outro lado, os Monfortianos, não se conformando em serem considerados como ilegítimos.

Se tomarmos o caso de São Vicente, e mais pre­cisamente uma função, nos damos conta que esta foi diversamente exercida no decorrer do tempo. Se se trata da pregação das verdades necessárias para a salvação, esta pregação é “consignada” pelo contrato de fundação somente em relação às terras de Filipe Emanuel de Gondi. A extensão geográfica, que vai ser considerável, transformará a função primordial que foi a instrução dos pobres dos cam­pos da região de Paris.

Porém, de outra parte, constatamos que, à me­dida que São Vicente quer garantir esta extensão geográfica, torna-se necessário estender, ao mesmo tempo, o financiamento e, por outro lado, os apoios sociais para esta obra de evangelização. E quando, em 1659, Vicente de Paulo enumera as obras da Congregação da Missão, percebemos que não se encontra somente a obra primária, primitiva e, aliás, inspiradora, que é a evangelização dos pobres do campo, mas se encontram, para garantir esta obra, a necessidade da formação do clero, a cooperação das Damas e das Filhas da Caridade, a manutenção e subsistência dos semi-loucos e dos meninos dados à libertinagem, (falo do São Lázaro antigo, e não do São Lázaro atual — porque o inventário seria mais difícil para fazer… ). E todas estas obras fa­zem com que São Vicente dê uma outra definição de sua função. “Evangelizar os pobres, diz ele, isso quer dizer tornar o Evangelho efetivo”. Ora, para tornar o Evangelho efetivo, é necessário ocupar-se ao mesmo tempo dos Escravos, dos sacerdotes, dos bispos, das Damas de Caridade e das Filhas da Ca­ridade.

Equivale dizer que, entre 1625 e 1659, o con­teúdo da função “evangelizar os pobres” ao mesmo tempo se enriqueceu, se estendeu, se hierarquizou, isto é, assumiu uma estrutura.

Importava, pois, dar à primeira questão do Va­ticano II uma resposta precisa, com suas nuances.

Segunda questão: Reencontrar o espírito das origens
Essa questão é embaraçosa e flutuante e, por isso mesmo, sujeita a todas as divagações de ocasião.

Primeiro: O que é espírito? (quando se fala do espírito das origens) . Em francês, o termo “espíri­to” pode ter 25 significados. O próprio Vicente de Paulo usa o termo espírito em circunstâncias extre­mamente diversas. Começando pela cúpula, ele fa­la do espírito de Deus, a seguir do espírito de Jesus, depois do espírito do Evangelho; do espírito da Com­panhia; e depois, psicologicamente, ele vai falar do espírito de tal pessoa, ou então, da disposição com a qual é preciso fazer tal ação: “é preciso fazer esta ação com espírito de humildade e de simplicidade” . Ou ainda, o termo espírito poderá designar o cará­ter, os hábitos, os atos. O espírito italiano — dirá ele — tem medo da fadiga, o que é uma constan­te!…

Ora, essa ambigüidade do termo espírito, fez com que alguns congelassem o termo espírito.

Nós mesmos, na Congregação da Missão, temos falado do espírito primitivo que deve ser conservado como cerne incorruptível. Conservávamos na gela­deira o espírito primitivo… E, era necessário rezar pela conservação do espírito primitivo. Ora, o espí­rito assim definido, coagulado em certas fórmulas, é precisamente letra e não espírito .

O espírito é ao mesmo tempo elemento dinâ­mico, inventivo, cuja existência constatamos ao olharmos para o passado, donde nos originamos, e ao mesmo tempo, fazendo um apelo a um futuro no qual nós distinguimos a vontade de Deus.

O termo, pois, “espírito das origens”, era par­ticularmente oscilatório, e o termo “origens”, esse também, era flutuante, indeciso, “nebuloso” e nas deixava em grande perplexidade .

O que quer dizer espírito das origens? Será o espírito do Pe . Vicente? Concretamente, é sua psi­cologia, seu modo de agir, o fato dele ser impregna­do do sobrenatural? Mas nesse caso, houve várias etapas no espírito do Pe . Vicente e, o Vicente de Paulo em 1650, não assinaria aquilo que fêz em 1607 ou 1608.

Tratar-se-ía, com o termo “espírito das origens”, do espírito dos primeiros ouvintes, dos primeiros associados? E aqui, o estupor entre os primeiros as­sociados, dentre os cinco primeiros, que em 1625 assinaram o contrato, temos dois que, em 1626, já não estão mais presentes. Quando falamos do es­pírito das origens, trata-se do espírito dos n.°s 1, 2 e 3 que ficaram, ou também do espírito dos n.°s 4 e 5 que não ficaram?

O espírito das origens, como se vê, exige uma precisão dinâmica — quer dizer, que nos põe em marcha, de preferência a uma pura constatação “desorientadora” .

Ora, essas duas questões fizeram com que o po­vo de Deus fosse perturbado . E podemos caracteri­zar essa inquietação. As questões postas: “espírito das origens, intenção do fundador” — foram pro­postas à duas categorias de meios — digamos — demográficos, para não dizer, sociais.

Primeiramente, estas questões foram propos­tas à multidão. Ao que podemos chamar de “a mas­sa média”. E as respostas foram múltiplas, sono­ras, mas também ocas. Isto quer dizer que o “po­vo”, digamo-lo, queria dar imediatamente a respos­ta. Podemos constatar que aqui seria necessário fa­zer um colar de pérolas. Existe um certo número de termos, hoje utilizados, que não têm como finalida­de tornar-nos mais firmes, mas, divertir-nos:

tornar mais firmes para amadurecer;
divertir para dissolver e dispersar . Quais são esses termos?
Estes termos, aliás, têm uma duração muito breve (a moda nesse domínio não possui uma du­ração superior a dois anos) :

— Nós ouvimos que é necessário se colocar em busca. O termo `busca”, destituído de complemento direto, poderíamos ignorar, caso se trate da busca de si mesmo — que é um pecado — ou da busca de Deus — que é uma obrigação. Muitos indivíduos se dizem estar em busca . Observava um bispo quan­do um indivíduo se apresentava e se dizia estar em busca: “Mas, meu caro, o que você perdeu?”

Um outro termo foi particularmente utilizado. É o termo “carisma”.

Assim, ouvi certos Superiores Maiores (eu os conheço bastante para não haver indiscrição) falar do “carisma” do fundador . Também esse termo foi utilizado juntamente com a palavra instituição. E se fala também do carisma da instituição. Ora, o termo carisma tem um sentido bem definido na 1.a Carta aos Coríntios, c. XII, sendo uma derivan­te materializadora da palavra graça (xarisma). Percebereis aliás, pela leitura de São Paulo, nas Epístolas Pastorais e do Cativeiro, que não se re­fere mais à carismas, e sim a uma concessão à religião popular dos Coríntios extremamente irrequieta e um pouco contestadora . Sob o ponto de vis­ta moral, bastante gangrenada, São Paulo lhes diz: “Existem tais desordens, no meio de vós, que nem sequer foram alcançadas pelos pagãos”. É verda­deiramente uma igreja exemplar … e é necessá­rio reter esse sentido de exemplarismo! “Ora, São Paulo se mostra de uma intrepidez atrevida em re­lação a esse termo “carisma”. Pois, ele comanda os carismas, dizendo: “Que o Espírito Santo queira calar-se, por favor, se não existe ninguém para o interpretar . E é muita gentileza de sua parte em colocar o Espírito Santo em ordem. Que tudo seja feito em ordem”.

Ora, o termo carisma designa, de um modo bem determinado, uma graça que é dada gratuitamente a uma pessoa, em vista do bem da Comunidade. Esse carisma — essa graça — não é por si mesma santificante para o indivíduo. É isso, aliás, que vem indicado na 1.a Carta aos Coríntios: “Antes, o indi­víduo podia ter sido movido pelo Espírito de Deus mas, em seguida, ele deve orar em particular, como se a sua atividade lingüística (falar línguas) no fundo de nada lhe servisse: “Rezarei em línguas… mas rezarei também com a mente” .

O termo carisma foi usado dezenas de vezes no Concílio Vaticano II. Quatorze, no sentido da I Cor. XII e duas vezes para designar o poder do Pontífice Romano ao definir infalivelmente a dou­trina. Nunca se falou do carisma do fundador ou do carisma de instituição .

Nesse mesmo lugar — além do carisma foi soli­citada também a abertura. Igualmente uma aber­tura sem que saiba exatamente “quem deveria ser despachado”. Um frango — é preciso saber como o matar! Falar de abertura. Trata-se de uma abertura física, ou de uma abertura moral, ou ainda de uma abertura intelectual, afetiva. Em outras palavras, será que nos encontramos diante de uma injun­ção para sermos inteligentes?

Se estais no Magistério (ensino) percebeis que todas as chamadas de atenção feitas aos alunos, pa­ra prestarem atenção, estavam sujeitas a um fracas­so certo. É um desejo, mas não é um voto consti­tuinte . Ele pode ser, por momento, reconstituinte.

Foi também solicitado para “estar presentes no mundo”. Mas, t termo “mundo” é empregado em São João, por exemplo, que o utiliza mais freqüen­temente, com significados que são muito diferentes. O próprio São Vicente de Paulo, nas suas con­ferências às Filhas da Caridade, observa que o mun­do significa “a máquina deste mundo”, quer dizer, a organização da natureza . Ora, é muito útil seguir o movimento da máquina, e é por isso que vamos dormir à noite e nos levantamos de dia. Mas o mundo pode ter uma outra significação.

Tanto em São Paulo, como em São João: “não sejais do mundo”; “nós não somos deste mundo”; “tudo que há no mundo é concupiscência dos olhos, concupiscência da carne e soberba da vida” — nô-lo diz São João (4) .

O termo mundo, portanto, possui significados diferentes. Para não confundir, é preciso sempre distinguir melhor e precisar o seu sentido.

Também foi solicitado para instaurar o “diálo­go”. O diálogo supõe que cada um esteja disposto a acolher aquilo que o outro diz, e que cada um dos interlocutores tenha algo para dizer.

Ainda mais, nós ouvimos falar “que é preciso mudar as instituições” para chegar a uma socieda­de liberal avançada. Nós, igualmente, não sabemos o que é uma sociedade, o que quer dizer liberal, o que significa liberal, o que quer dizer avançada . E avançada — em que sentido? É preciso chegar a um novo contrato social. Mas, se não me engano, em 1762 Jean Jacques Rousseau publicou o “Contrato Social”. O que quer dizer isso? Isto provavelmente é sublime! Mas eu penso que um dos perigos ao qual o espírito humano está exposto, desde a origem do mundo, é o de soçobrar no sublime. Procuremos analisar o sentido das palavra.

Também foi falado das “mudanças”. Ora, o termo “mudança”, na ordem biológica, data de 1901. O termo mudança, com o sentido simplesmente de evolução, data de 1930. Mas o termo evolutivo, con­tido na mudança, é o sentido de um desenvolvimen­to normal, sem saltos bruscos e, por assim dizer, de­sarticulante.

Seria necessário também, falar da vulgarização degradante do termo “inspiração” dos termos: “ima­ginação” … Quando hoje ouvimos certos sujeitos dizerem: “é precisa dar prova de imaginação”, pode ser que poderíamos lembrar-nos do que dizia Pas­cal: “a imaginação, mestra do erro e do desatino’ . Ou então, o que pensava Malebranche? Creio, que em 1705, ele dizia: “É a louca da casa”1

Ora, se para a imaginação é solicitado ter o es­pírito criativo, isto é uma mobilização geral ser gê­nio. Não há nenhum inconveniente. O essencial é possuir um imaginação genial.

Terceira questão:
Diante desta apresentação das duas questões, a saber:

o espírito das origens,
a intenção do fundador,
esta entrega do assunto à multidão que não possui suficiente espírito crítico, podemos fazer uma nova consideração:

As injunções do Vaticano II foram absorvidas, monopolizadas por duas categorias de técnicos no sentido estrito da palavra — aqueles que agen­ciam — são ao mesmo tempo os sociólogos e os psi­cólogos.

Ora, a sociologia, observe-se de passagem, é de data recente. Antes de Durkheim (1890) , falava-se simplesmente de ciência social. Mas, a aparição do termo sociologia, indicava uma outra realidade; a junção de uma ideologia com uma constante. Isto quer dizer que se trata antes de uma ideologia ab­sorvente que impede ver e que reduz tudo a um sis­tema . Quereria fazer aqui alusão a todos os empre­endimentos das Congregações Religiosas que confia­ram plenamente, sendo intérpretes os Superiores Maiores, na pessoa dos sociólogos, cuja intervenção, conforme percebo, se verifica de múlplicas formas, do que podereis duvidar . Mas eu sempre pude veri­ficar que, quando se realizava previamente — aqui­lo que chamam — uma pesquisa sociológica, nos encontrávamos diante de resultados que eram con­clusões já pré-estabelecidas.

Os psicólogos: é preciso perguntar se o psicólogo não é antes de tudo um materialista. E, se ele é ca­paz de discernir aquilo que é eterno num sujeito, de deixar lugar a Deus, que vai moldando, sem ces­sar, do interior do sujeito, à imagem eterna para as­sim configurá-lo à semelhança do Filho de Deus. Esse trabalho é um trabalho certo, oculto, misterio­so. Negá-lo, ou esquecê-lo, seria literalmente des­truir o que há de essencial no homem. Ora, por profissão, estando eu, não só empenhado, mas res­ponsável por um setor universitário, o que cons­tato?

constato que as incertezas vêm precisamen­te do fato de deixar os psicólogos agirem, ao mesmo tempo, sobre os indivíduos e sobre as instituições.
Quarta questão:
Diante desse fato, o que é que podemos decidir em relação ao método?

É preciso que o nosso trabalho seja um trabalho crítico e que esse trabalho crítico exija um pouco de atenção, um pouco de concentração. Mas, o que posso vos assegurar, é que este trabalha é frutuoso e dez vezes mais proveitoso que uma sessão de co­média e de palhaço .

Abordaremos, pois, a questão da espiritualidade com esta preocupação — e dizia-vos que isto acar­reta conseqüências metodológicas. Resumem-se em número de três:

1.ª) Necessidade de um vocabulário rigoroso e técnico — porque um erro sobre uma palavra acar­retará catástrofes na prática. “Aprendamos pen­sar bem, dizia Pascal, é o princípio da moral”. São Paulo dizia que as más conversas corrompem os costumes. Há, pois, necessidade absoluta de empre­gar os termos extremamente precisos.

2.ª) Há, também, necessidade de uma informa­ção teológica e histórica. Teológica, por exemplo, para se levar em conta essa misteriosa presença de Deus na humanidade .

Mas deva dizer também uma palavra sobre a necessidade de uma cultura histórica . Pois, para discernir a originalidade de Vicente de Paulo, de Inácio de Loyola, de Francisco de Assis, de Pacô­mio … , o que importa é ver o que havia no passa­do. Como exemplo, tomemos Vicente de Paulo. Ele assume aquilo que era feito anteriormente . É um assimilador do passado que possui sua própria for­ça em suas raízes para abordar um crescimento e um futuro.

Eles são recapituladores! Mas, é preciso uma formação histórica para compreender que o sujeito está recapitulando e, por outro lado, um relance pa­ra as evoluções, exige igualmente um conhecimen­to daquilo que está acontecendo ao lado, no espaço. Vejamos, por exemplo, como o empreendimento da fundação da Filhas da Caridade foi levado com uma diplomacia extraordinária do ponto de vista canô­nico; como Vicente de Paulo conhecia as dificulda­des que Francisco de Sales teve, em 1617, com a Congregação da Visitação; como levava em conta, igualmente, que certos agrupamentos — o das Ursu­linas, na Itália — outros em Flandres e na Alema­nha — o de Mary Word — não conseguiram man­ter certas constituições e surgem então certas pre­cisões de ordem canônica. Essas distinções que são feitas, não são compreensíveis, mas aceitas para evi­tar certas deserções. Portanto, informação de or­dem histórica para se situar melhor no espaço e no tempo.

3.ª) É necessário, para estudar esta espirituali­dade, que haja, no sujeito, uma certa comunicação entre a experiência e a doutrina .

Por que? — Porque Vicente de Paulo usa a pa­lavra experiência como um teste de conhecimento. Ele diz: “tal a minha fé, qual a minha experiência”. Uma vez pronunciada a palavra experiência, a dis­cussão terminou .

A experiência mostrou que …

A palavra experiência possui tal valor que ele vai contra as diretrizes Conciliares. É assim que ele fala a respeito dos Seminários Menores, que julga inúteis e inoportunos na França nesse período, ele diz: “As disposições do Concílio de Trento são inspi­radas pelo Espírito Santo. Contudo, tendo a expe­riência mostrado (cfr. São Paulo diz: “O Espírito Santo, isto é muito bom, mas antes de tudo ordem”) por momento não nos ocuparemos com os Seminá­rios Menores” . Equivale dizer: as Disposições do Concílio de Trento são boas e excelentes, mas no geral; na aplicação particular, para o caso presente, não valem e são diretrizes gerais.

Ora, o termo experiência é fundamental. E no estudo de Vicente de Paulo, o que é que é importan­te? É impregnar-se com a sua experiência. Podeis duvidar que lí um pouco São Vicente durante os 40 anos. Mas para esta sessão, reli, fazendo anota­ções, pela undécima vez o texto das Conferências aos Missionários. Pois bem, sempre descubro alí coisas novas. E em relação a Vicente de Paulo utilizo o mé­todo de Saint Beuve e o dos melhores exegetas. St. Beuve dizia: “para conhecer um autor, é preciso deixar tempo para este autor a fim de que possa gravar-se em nós” .

O Pe. Fernando Prat, S. J., na conclusão aos dois volumes de sua Teologia de São Paulo, dizia: “a melhor maneira de conhecer São Paulo, é ler o mes­mo indefinidamente”. Para tanto é necessário que haja uma “prática” do texto, que voltemos a esta “carta” que nos falará tanto mais, quanto, mais ti­vermos uma alma hospitaleira e caminharmos ao mesma tempo que o autor.

Essa é a nova introdução, antes de abordarmos a noção de espiritualidade que nos interessa .

Quinta questão:
1.º) São Vicente compreendeu que, para a con­tinuidade da Evangelização dos pobres, era preciso unir “ação e instituição”.

Essa pergunta me dá ocasião de vos apresentar um dos aspectos da psicologia e do espírito de aven­tura de São Vicente.

Um aspecto ignorado: o aspecto organizador de São Vicente de Paulo. Esse gênio de organização é extremamente manifestado no estudo que podemos fazer sobre os seus escritos.

Certos fundadores, de início, possuem caracte­rísticas simplesmente vagas. Vicente de Paulo, em razão de sua formação jurídica — pois em 1624 foi declarado bacharel em Direito pela Faculdade de Teologia de Paris, colocada em destaque por Eduar­do Fournier, Decano da Faculdade de Direito Canô­nico no Instituto Católico de Paris, fazia este pane­gírico em 1929 em S . Lázaro:

“Aquilo que o Direito fez por Monsieur Vincent e aquilo que Monsieur Vincent fez pelo Direito Ca­nônico”.

Foi um verdadeiro curso que distinguia todas as iniciativas jurídicas em que transparecia a cultura de Monsieur Vincent.


Em função dessa formação, São Vicente tem uma maneira de se expressar que é extremamente clara.

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